segunda-feira, 31 de março de 2008

INFINITO

Como te amo,
poesia.

Poesia,
poesia,

se não fosses tu

o que seria?

quinta-feira, 27 de março de 2008

ENORME E ANTIGO

Navego velhas marés,
abraço coisas antigas
com as mãos

e os braços

e os ombros,

nelas nado

e mergulho depois
profundamente,
relembrando silêncios

do passado,

ou procurando lábios antigos

que neles flutuam.

ILUMINAÇÕES

Quem compreenderá
que verdades surgem agora,

que redondas delícias
te alimentam o corpo
até desmaiares?...

A única coisa certa
é que
ninguém sabe porquê
há tantos caminhos

inconcebíveis

numa ilha

tão solitária.

terça-feira, 25 de março de 2008

MAR DO POEMA

O primeiro mar é duma
água
já muito conhecida,

uma

enxurrada

de sementes líquidas
armazenadas com as mãos
ávidas,
vitais a quem queira
permanecer uma
nuvem
discreta,

apesar de tudo
o que existe continuar

a suceder.


O mar é,
ao mesmo tempo,
um íntimo e contínuo

firmamento
.

A
poesia
é,
como o
mar,

uma carne líquida
que nos veste interiormente
e sempre da mesma forma,
libertando louca,húmidamente,

tudo
o que é sólido no
corpo

e entristece.


Só a
poesia

é a gota de
água

que permite fugir a tudo,
transfigurada em
mil estátuas amadas,
que olhamos sempre

espantados.


Só a
poesia

nos
leva verdadeiramente
até o que é

a genuína alma
do
mar
,

até que sobrevenha
o
silêncio

completo.

terça-feira, 18 de março de 2008

OLHAR PERDIDO

Absorto,
químico.

Longínquo,
húmido.

Perdido,
mágico.

Abstracto,
vago.

Apartado,
curvilíneo.

Sem destino,
plácido.

Todo abandonado
ao silêncio.

Controlado,
mas incêndio.

Pelo ar
fulgurando.

O olhar,
vazio.


As aves,
hino.


Os astros,
vastos.


O ser,
apenas voar.


Mais nada ter.

Mas tudo
já compreender.


domingo, 16 de março de 2008

POEMA REMEDIADO

Nem tenho automóvel.

Sou um atleta.


Todos têm muitas coisas,

lindas e caras:


Mármores,
residências exuberantes,
extraordinárias ourivesarias

explodindo de diamantes,

magníficos turbantes

a tapar o que não conseguem
ser.

O pouco que tenho
transcende no máximo que

me assiste:


O delírio de olhar
por uma janela
e compreender o dourado

do amanhecer.


Visto isto olho para tudo
o resto
desde este alto nebuloso
de extravagância

e ocorre-me a única presunção

possível.


Lembrem:


Sou um atleta
e não é preciso ter automóvel
para se ir até
ao pé da última galáxia,

ou pedir boleia

ao primeiro cometa que apareça.

HORAS NÚAS



Esta hora de cansaço;


esta hora de cabra maldita;


esta hora do diabo;

esta hora de finalmente

dizer a afiada navalha.

Mas há uma vocação que não
morre

e o poema que não pára,
esse caminho por onde
nunca se corre


e a sua vantagem de

apesar de tudo

não se ser nada.

terça-feira, 11 de março de 2008

OUTRA ATMOSFERA

Poucos falam de anjos.

No entanto muitos
os sabem
e quantos só os percebem
quando uma fé absurda
já cresce e rasga.

Passam assim a entender
que seu berço macio
transforma tudo em milagre.

Só depois de ter
os anjos bem cá dentro
se pode dizer que se sabe,
lenta e quente,
a verdadeira alegria.

Muito poucos a conhecem.

Mas,
como sucede com os anjos,
há também
algumas flores
tão exageradamente sensíveis!

segunda-feira, 10 de março de 2008

VISLUMBRE


Adoro as meias de seda
e o que permitem presumir
mas lá não está exactamente.

Adoro-as como a um barco
em que se vagueia
num mar que tudo rodeia
e por isso o habitamos
numa sensação irreal.

Amo o lugar das nuvens,
que são a água rodeando tudo
e aí me sinto um marinheiro,
alagado sem saber onde
nem porquê.

Voltando às meias imaginadas
- de seda –
também elas têm a doce
consequência do horizonte;

a de não serem completamente
olhadas
e tudo ser ao mesmo tempo
maravilhoso,
ténue,
avassalador,
quase pecaminoso,
mas tão, tão solene e grandioso.

Nas meias, como no horizonte,
só se imagina o que
para lá deles se esconde.

Adoro as meias de seda
como o por trás do horizonte:

Nada deixam transparecer,
mas toda a fantasia neles se
esconde.

segunda-feira, 3 de março de 2008

HIPÓTESES



Até podia merecer
a tua mão,
como o peregrino
que já passou pelo deserto
merece a fonte imensa.

Podia ser digno
dos teus lábios,
como a gaivota
que conhece,
inteiro,
o oceano,
merece o alto pedestal da
falésia salvadora.

Podia também ser dono
dos teus incertos nevoeiros
pela manhã,
como um beijo merece
ser o silêncio das
flores
no secreto altar da Primavera.

Podia merecer-te a voz
e o mistério,
até onde é supremo
saber cantar conjuntamente.

Podia, como toda a música
que vestes,
saber-te o milagre inteiro.

Podia, podia, podia,
mas a última vontade
será fazer parte
do que tens sempre de céu
em cada dia.